domingo, 8 de março de 2009

Procuradores do Estado (AGU) - LCEstadual 15/80

Do artigo:

A Advocacia-Geral da União como função essencial à Justiça
Elaborado em 12.2004.
Luziânia Carla Pinheiro Braga
1 Considerações Iniciais


Por certo, a Advocacia Pública é Função Essencial à Justiça, comportando a advocacia pública federal, estadual e municipal. Contudo, firma-se, de logo, uma circunscrição temática: os refletores serão acesos sobre a Advocacia-Geral da União. Reconheça-se, outrossim, a importância da Advocacia Pública como gênero, citando o exemplo das diversas procuradorias e defensorias públicas.


A criação da Advocacia-Geral da União encerrou graves ambigüidades institucionais, criando um órgão com o mister constitucional de exercer funções até então indevidamente acumuladas pelos Procuradores da República. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público, em sua incumbência de Função Essencial à Justiça, passou a exercer suas atribuições constitucionais, nos termos dos arts. 127 a 129 do Texto Maior. Por seu turno, a Advocacia-Geral da União tornou-se o órgão com competência para exercer as funções de representação judicial e extrajudicial da União, bem como de assessoramento jurídico, com quadros próprios e estrutura especificamente destinada a tais misteres.

2 As Funções Essenciais à Justiça e "Separação dos Poderes"

A ciência política aponta como o mais remoto antecedente da "separação de poderes" as considerações de Aristóteles, que considerava injusto e temerário atribuir a um só homem o exercício do poder, distinguindo como órgãos a assembléia geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário (Bonavides, 1997, p. 136).

Foi com Montesquieu que a teoria da separação de poderes tomou configuração mais clara no bojo do constitucionalismo do Estado moderno. É certo que o gênio de Montesquieu não maquinou sua teorização clássica do vazio, encontrou no iluminista inglês Locke a inspiração dos direitos individuais oponíveis ao "ameaçador Estado".
De efeito, enuncia o art. 2º da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

"São poderes da União, independentemente e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Oportuno lembrar que o poder do Estado é uno, sendo a referência no plural a mera admissão de funções próprias e distintas no interior do organismo estatal.

3 Função Essencial à Justiça: um Desafio de Conceituação e de Efetividade

O que é FUNÇÃO ESSENCIAL à JUSTIÇA?
(...) funções essenciais à justiça se constituem num conjunto de atividades políticas preventivas e postulatórias através das quais interesses juridicamente protegidos são identificados, acautelados, promovidos e defendidos por órgãos tecnicamente habilitados, sob garantias constitucionais. (Moreira Neto, 1991, p.20)

A Advocacia-Geral da União não é essencial ao poder executivo. É função essencial ao Estado Democrático de Direito, tanto quanto o poder executivo (e outras tantas funções) pode sê-lo.

No âmbito federal, vislumbra-se o seguinte quadro esquemático, proveniente da leitura do Título IV, da CF/88:


Dentro de seu múnus constitucional, a Advocacia de Estado assume o desafio de defender a execução das políticas públicas, dentro do primados do Estado Democrático de Direito, notabilizando-se como essencial à consecução da Justiça – princípio fundante da República Federativa do Brasil (art.3º, inciso I, da CF/88).

A Advocacia-Geral da União é Advocacia de Estado, na medida que contribui para a viabilização das políticas governamentais, sob os auspícios da constitucionalidade e legalidade, zelando pela concretização de um Estado Democrático, pautado na defesa do interesse público. Não se trata de mera advocacia do Governo, no Governo e para o Governo.

A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos.

Também, não há confundir defesa do Estado com defesa do Governo.

Para o desempenho eficiente de seus misteres constitucionais, a Advocacia de Estado há de ser inequivocamente reconhecida fora do espectro de subordinação do Poder Executivo.

E de fato o é:
A topologia das normas no bojo da CF/88 revela a situação diferenciada da Advocacia do Estado. O constituinte originário deixou de regular a Advocacia Pública no Título III (da Organização do Estado), onde trata especificamente da Administração Pública. Em outras palavras, conferiu-se-lhe locus próprio, emerso, fora das prateleiras do "poder executivo", do "poder legislativo", do "poder judiciário".

4 A Advocacia-Geral da União enquanto Função Essencial à Justiça

A necessidade de prerrogativas é uma constatação óbvia. Uma das principais garantias é a da não interferência de nenhum dos "poderes" do Estado no exercício das funções institucionais do Advogado do Estado. Portanto, é necessário que a instituição tenha reconhecida a sua independência. Somente se pode falar em independência real, fornecendo-se uma autonomia administrativa e financeira.

Sobre a Advocacia-Geral da União, o artigo 131 da CF/88 enuncia:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

A Advocacia-Geral da União atua no flanco judicial e extrajudicial, como também, na seara da consultoria e do assessoramento da Administração Federal.

No federalismo brasileiro, cada ente político (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) é dotados de autonomia de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração. Em razão desta autonomia, a lei atribui à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e aos Territórios, a capacidade normativa para disciplinar o exercício das funções que lhe são inerentes, respeitadas as competências constitucionais. Para exemplificar: cabe a cada uma das esferas administrativas legislar sobre o estatuto jurídico de seus servidores públicos.

A Lei Complementar nº 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União - é comezinha em termos de prerrogativas para o múnus constitucional da advocacia pública federal, limitando-se a tratar quase que exclusivamente da sua estrutura organizacional (forma), atribuindo obrigações aos seus membros e estabelecendo uma franca interferência do poder executivo no desempenho de suas atividades.

Ora, a atividade exercida pelos integrantes efetivos da Advocacia-Geral da União, por suas peculiaridades e relevância para a consecução do interesse público, não é condizente com a submissão a qualquer dos poderes da tripartição clássica. A interferência do poder executivo no exercício das atividades da Advocacia-Geral da União encontra-se expressa em vários artigos da referida Lei Complementar (vide os arts. 3º e 28, da Lei nº 73/93, por exemplo). Garantias básicas como inamovibilidade, independência funcional e inviolabilidade sequer são mencionadas. Verifica-se uma verticalização exacerbada na estrutura organizacional em relação ao Poder Executivo.

5 Conclusões

Na consecução de seu múnus constitucional, a Advocacia-Geral da União assume o desafio de defender a execução das políticas públicas levadas a efeito pelo Poder Executivo federal, dentro do primados do Estado Democrático de Direito, notabilizando-se como mais um órgão essencial à consecução da Justiça – princípio fundante da República Federativa do Brasil (art.3º, inciso I, da CF/88). A Advocacia-Geral da União contribui para a viabilização das políticas públicas, sob os auspícios da constitucionalidade e legalidade, zelando pela concretização de um Estado Democrático, pautado na defesa do interesse da União, o qual não poderá estar apartado do interesse público. Para o desempenho eficiente de seus misteres constitucionais, a Advocacia-Geral da União há de ser inequivocamente reconhecida como órgão fora do espectro de subordinação do Poder Executivo.

As necessidades complexas da sociedade atual, com o desafio de instituir um Estado Democrático de Direito, pautado no reconhecimento da Ordem Constitucional e nos Direitos Fundamentais, trouxeram a necessidade de criação de novas instituições, inexistentes na concepção clássica de Estado. Nesse desiderato, exsurge a Advocacia-Geral da União como órgão integrante das Funções Essenciais à Justiça, consoante se observa de sua topografia constitucional (Título IV – DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA), sendo forçoso reconhecer-lhe posição de independência e total ausência de subordinação administrativa com relação ao Poder Executivo federal.

Destaque-se, portanto, que a Advocacia-Geral da União representa os interesses da União, pessoa jurídica de direito público interno e externo, no âmbito dos poderes constitucionalmente estabelecidos, a saber: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Não sem razão, o Constituinte inseriu o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União no Capítulo IV, do Título IV da Constituição Federal, conferindo-lhes status de FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA, eximindo-as de qualquer vinculação e/ou subordinação ás funções constitucionalmente estabelecidas nos capítulos I (Poder Legislativo), II (Poder Executivo) e III (Poder Judiciário).

Desta feita, o Constituinte procurou estabelecer a independência de atuação e autonomia organizacional das funções essenciais ao Estado Democrático de Direito, com o escopo de possibilitar sua ação intimorata na defesa da sociedade (in casu, o Ministério Público), do interesse e patrimônio públicos (in casu, a Advocacia de Estado), dos direitos dos hipossuficientes (defensorias públicas), sem o risco de sofrer ingerências indevidas de qualquer um dos demais poderes constitucionalmente estabelecidos.

O perfeito desempenho dos misteres constitucionais da Advocacia-Geral da União passa indeclinavelmente pelo reconhecimento de autonomia financeira e organizacional, da qual não poderá prescindir. Afirma-se com essa medida, a explicitação de uma anatomia e de um espírito afinado aos ideais institucionais constitucionalmente concebidos; a forma mais legítima de se organizar a Advocacia-Geral da União, distante da ingerência de poderes periféricos que desafiem a consecução do interesse público (primário).

A autonomia e independência necessárias às Funções Essenciais à Justiça vêm sendo lentamente reconhecidas, de maneira fracionária, sem uniformidade, com muitas pelejas. Enquanto tal conotação preponderar, fazendo a Advocacia de Estado um apêndice ("inflamado") do poder executivo, podemos afirmar que a matriz teleológica do princípio da separação (e harmonia) de funções no Estado Democrático de Direito brasileiro restará frustrado.

======== fim do artigo 1 ===========

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