sexta-feira, 22 de maio de 2009

Prisão Civil por dívida X Pacto San Jose da Costa Rica

Gostaria de um esclarecimento sobre como restou definida a situação do inciso LXVII do art. 5 da CF88, com relação à prisão civil por dívida do depositário infiel. Revogada? inconstitucional? ou ainda sem definição?

Fiquei em dúvida ao resolver a seguinte questào, que é do mesmo ano em que a EC 45 entrou em vigor.

(ESAF/PFN/2004) O Pacto de San Jose, tratado que entrou em vigor no Brasil depois do advento da Constituição de 1988, revogou o dispositivo constitucional que admitia a prisão civil do depositário infiel.

Gab: Falso

Por qual motivo a questão é falsa? por causa da palavra *revogou*?
Há alguma expressão mais adequada para tornara a sentença verdadeira?

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Roberto:

No final do ano passado, o STF decidiu que o Pacto de San José e os tratados sobre direitos humanos têm status "supralegal", ou seja, são hierarquicamente superiores às normas infraconstitucionais (legislação ordinária), mas inferiores à Constituição.
Portanto, o Pacto não revogou o dispositivo constitucional.
Logo, a prisão do depositário infiel não é inconstitucional, mas, com o Pacto, passou a considerar como ilegal.
Apesar de a questão ser de 2004 (importante referência), entendo que a resposta continuaria sendo falsa. O erro na questão seria a expressão "revogou o dispositivo constitucional"
Segue o link com a notícia do próprio STF acerca do tema, inclusive com as ações nas quais firmaram o novo entendimento:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=100258

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Frederico Machado: (c/ obs Prof. Zelio)

Bem, se me permite um esclarecimento a princípio, não se trata aqui de> revogação de dispositivo constitucional.
Cuida-se sim de prevalência do Pacto de San da Costa Rica, tb denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sobre o ordenamento infraconstitucional.
ESSA SUPREMACIA, QUE É VERDADEIRA (DENOMINADA AGORA PELO STF DE SUPRALEGALIDADE)PROPORCIONA EXATAMENTE A REVOGAÇÃO DOS PRECEITOS QUE LHE SEJAM ANTERIORES E CONTRÁRIOS, COMO É O CASO DA PREVISÃO LEGAL DA PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL. ASSIM NÃO HÁ MAIS NO BRASIL A POSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL DO DEPÓSITÁRIO UMA VEZ QUE AUSENTE FUNDAMENTO LEGISLATIVO.

Ocorre que (acredito que a Suprema Corte já tenha acolhido a tese abraçada pelo Min. Gilmar Mendes acerca da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos) as disciplinas versantes sobre o tema da prisão do depositário infiel encontradas em normas que possuem envergadura menor que a Carta Constitucional de 88 não se sustentam em face do que contido no Pacto de San José, segundo o qual é possível a prisão por dividas somente na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

EXATAMENTE! NA MINHA MENSAGEM ANTERIOR DETALHO ISSO, TRATA-SE DE DECISÃO PROFERIDA EM 3.12.2008 QUE SEQUER FOI PUBLICADA.

No que tange ao referido preceito constitucional, a interpretação que deve ser realizada é a de que a Carta Maior meramente autorizou a excepcional possibilidade de prisão em casos de infidelidade depositária, o que não significa que o indivíduo infiel depositário deva necessariamente ter sua liberdade tolhida.

EXATAMENTE. É NECESSÁRIO QUE EXISTA UMA LEI PREVENDO A PRISÃO E OS DEMAIS REGRAMENTOS. TAL LEI, COMO DITO ANTES, FOI REVOGADA (É ESSA MESMA A EXPRESSÃO) PELO PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA.

Saliente-se que, em determinado julgado, o Min. Francisco Resek, quando na ativa como magistrado componente do Supremo, ao apreciar a questão encontradiça no inciso LXVII do art. 5º, ponderou que o preceito é meramente autorizativo no tocante à constrição do direito de ir e vir. Deve-se, pois, proceder a um cotejo com eventual regulamentação ordinária da matéria bem com com a própria sistemática da Carta Magna e os demais tratados internacionais ratificados por nosso país. Em suma, conforme asseverado, como o Pacto mencionado se sobrepõe ao regramento infraconstitucional pátrio acerca da prisão do depositário infiel, entende-se que o infiel depositário não merece sofrer qualquer medida constritiva de liberdade.

AQUI INCLUSIVE O STF (A MEU VER DE FORMA EQUIVOCADA - MELHOR SERIA TER ABRAÇADO A TESE DE QUE OS TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS ANTERIORES À EMENDA SERIAM RECPCIONADOS COM STATUS CONSTITUCIONAL) ACABOU POR CRIAR UMA SITUAÇÃO INUSITADA. QUAL SEJA: DISSE QUE O TRATADO É RECEPCIONADO COMO DIREITO SUPRALEGAL (ABAIXO DA CF E ACIMA DA LEI) O QUE LEVOU CONSEQUENTEMENTE À REVOGAÇÃO DO DIREITO ORDINÁRIO ANTERIOR. POR OUTRO LADO A CF PERMITE A PRISÃO DO DEPOSITARIO INFIEL QUE, COMO VISTO, NECESSITA DE UMA NORMATIVIDADE ESPECIFICA QUE, TAMBÉM COMO VISTO, NÃO PODE SER UMA LEI EIS QUE O TRATADO VIGERÁ AGORA (APÓS O DECIDIDO PELO STF) COMO DIREITO ACIMA DA LEI. INDAGA-SE: ENTÃO QUAL NORMA PODERÁ REGULAMENTAR O PRECEITO CONSTITUCIONAL AUTORIZATIVO DA PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL? RESPONDO: NENHUMA. A NÃO SER, É CLARO OUTRO TRATADO INTERNACIONAL OU UMA EMENDA O QUE, EVIDENTEMENTE, ESTÁ FORA DE COGITAÇÃO . ================================================================

Olga Rocha:
Acrescentando à resposta do colega, a questão está muito bem colocada no informativo 531 do STF. Esclarecedor!

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Prof. Zelio Maia

Olá Roberta,a assertiva realmente é falsa.

O tratado sobre direitos humanos pode ter status constitucional (veja que falei PODE), desde que aprovado pelo procedimento previsto na EC 45.

A assertiva está errada porque está conferindo a esse tratado, de forma automática, status constitucional, o que não é verdade.

Se houvesse a aprovação pelo novo procedimento aí sim esse tratado teria revogado o texto constitucional no ponto em que cita (prisão do depósitário infiel).
Não pode esquecer ainda de recente jurisprudencia do stf (3.12.2008) que conferiu ao tratado, que não teve a aprovação pela forma especial da EC 45, status de supralegalidade (acima das leis e abaixo da CF).

O tema aqui abordado, que se encontrava relativamente pacificado após a emenda constitucional n° 45/2004 passou a ter um novo dimensionamento com decisão proferida pelo STF nos autos dos recursos extraordinários n°s 349703 e 466343 julgados em 3 de dezembro de 2008 que conferiu aos tratados internacionais sobre direitos humanos a força normativa interna de direito supra legal, porém abaixo da constituição.

Considerando que a inovação não foi bem aceita por boa parte da doutrina, façamos uma análise detalhada sobre o tema, inclusive avaliando a evolução antes da emenda 45/2004, após essa emenda e agora após esses julgados do STF.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 a rigor manteve como regra geral, o status de norma infraconstitucional aos tratados que versem sobre direitos humanos, o que sempre foi o entendimento jurisprudencial da Corte. A doutrina apresenta posicionamentos conflitantes sobre o tema: alguns doutrinadores apontam para estatura constitucional que deva ser conferida a tais tratados (em razão do § 2.º do art. 5.º da CF) e outros, para a colocação de tais tratados com posição de norma infraconstitucional. Apesar da divergência doutrinária, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que o tratado internacional a respeito de direitos fundamentais não tem distinção dos que versem sobre as matérias em geral, firmando-se, pois, pelo posicionamento de que os tratados internacionais, quaisquer deles, têm estatura infraconstitucional.Como dito antes, essa dicotomia deixou de existir passando agora a ter, com as referidas decisões do STF, mais uma posição, a da supralegalidade.

Assim podemos resumir as posições:

I) tratados internacionais sobre direitos humanos com hierarquia constitucional: para essa corrente os tratados internacionais sobre direitos humanos ganham hierarquia constitucional em razão do disposto no § 2°, do art. 5°, da CF. Essa posição encontra-se solidamente configurada no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Veloso proferido nos autos do habeas corpus n° 82.424/RS onde manifesta-se pela posição hierárquica superior de tais tratados, indicando, inclusive uma idéia de supralegalidade dos direitos humanos. No mesmo caminho apontou, naquela oportunidade, o voto do Min. Gilmar Mendes que indica como direito constitucional sobre direitos humanos o que for objeto de tratados internacionais de que o Brasil faça parte nos termo do art. 5°, § 2° da CF, ou seja, conferia status constitucional a esses tratados.

II) tratados internacionais sobre direitos humanos com hierarquia infraconstitucional: para essa corrente, antes majoritária no âmbito do Supremo Tribunal Federal (ver julgamento do HC n° 72.131/RJ), os tratados internacionais, todos eles, e independentemente da matéria tratada, teriam força de norma infraconstitucional, mais especificamente, de lei ordinária.

III) tratados internacionais sobre direitos humanos com hierarquia de supralegalidade: temos aqui uma nova corrente nascida a partir do voto do Min. Gilmar Mendes proferido nos autos dos recursos extraordinários n° 349703 e 466343 julgados em 3 de dezembro de 2008 onde sustenta que os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos tem status de direito supralegal, ou seja, não é direito ordinário, não é direito constitucional e nem tampouco direito suprapositivo.

Sou partidário da corrente que afirma status constitucional aos tratados internacionais por força não só da aplicação do § 2°, do art. 5°, da CF, como também pelo fato de acreditar que os direitos naturais, após um longo período de hibernação frente ao positivismo jurídico, ganham força com o direito contemporâneo onde os direitos da pessoa devem ser colocados até mesmo em patamar de suprapositividade, onde para serem afirmados independem de regulamentação legislativa, seja infraconstitucional, seja constitucional. Como fonte de orientação de estudo, no entanto, fica o registro do recente posicionamento do STF sobre o tema que deve, obrigatoriamente, nortear toda e qualquer resposta sobre o tema.

Agora no Brasil, por essa jurisprudência temos tratados internacionais com força de lei ordinária, de supralegalidade e com força constitucional (neste último caso se for aprovado nos moldes do art. 5°, § 3° da CF).
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